Falta de treinamento adequado, sobrecarga de trabalho e descaso da Energisa. Fatores que contribuíram para que mais um eletricitário perdesse a vida em Mato Grosso do Sul. A avaliação é do eletricista Lílio Gabriel Lopes, de 36 anos. Ele trabalhava com Jean Roberto Pereira Weiss Ramos, de 29 anos, que faleceu no dia 23 de outubro.
Ainda bastante emocionado, Lílio lembra que, no dia do acidente, recebeu uma ligação da empresa, às 6h30. Ele e o amigo foram acionados para entrar mais cedo por conta da demanda de serviço. Jean saiu de casa sem tomar o café da manhã. Por volta das 12h30, a dupla ainda não tinha feito o intervalo para o almoço e estava executando a manutenção de uma rede de eletrificação rural na Rodovia MS-289, trecho entre Amambai e Juti.
“Não foi só um companheiro que eu perdi. Ele era meu amigo e eu me coloco no lugar dele também. Porque a gente fazia um revezamento (na hora de subir), quem iria subir num dia e quem subiria no outro. Poderia ter sido eu”, explica o eletricista.
Para Lílio, o acidente ocorreu devido à falha de um religador que estava com defeito há mais de 60 dias e, mesmo assim, continuava em operação. Mas ele também alerta sobre a falta de treinamento adequado aos operadores e eletricistas. “O COD tinha que ter um treinamento para ajudar a gente desde o começo da abertura da chave”.
O eletricista trabalha há nove anos na empresa e informa que, depois que a Energisa assumiu a antiga Enersul, fez o curso de NR 10 apenas uma vez e via online, e o último treinamento para atuar em subestação foi feito há seis anos. O amigo Jean também sentia necessidade de mais treinamentos e chegou a demonstrar certa preocupação.
“Ele reclamava muito. Era pouco treinamento. Para religador e subestação, ele não tinha muito conhecimento. Até sobre o kit resgate de primeiros socorros, um dia a gente estava conversando e ele perguntou como funcionava aquilo lá”, comenta Lílio.
O Sinergia tem feito várias denúncias à Energisa e já acionou, inclusive, o Ministério Público do Trabalho, com relação aos treinamentos que são aplicados no formato EAD (curso a distância). Considerando os riscos aos quais os eletricistas estão expostos, os treinamentos deveriam ser revistos e aplicados de forma presencial e com acompanhamento de profissionais legalmente habilitados.
Para o sindicato, além de a empresa não treinar o eletricista adequadamente para este tipo de manutenção, mudanças estruturais têm aumentado o risco de acidentes graves e fatais. Equipamentos em más condições de uso e a redução do número de chaves do religador, que passou de seis para três jogos por motivos financeiros, reduzem a segurança e deixam o trabalhador cada vez mais vulnerável.
Pressão
O trabalho sob pressão agrava ainda mais a rotina na empresa e também aumenta o risco de mortes. A produtividade dos eletricistas é monitorada constantemente por meio das metas de corte, de NR, de ligação nova, de poda de árvores, de tudo que envolve a parte elétrica. “A nossa meta é zerar todo tipo de corte, não deixar nenhuma religa vencer. A pressão é essa, devolver o mínimo de serviço que foi atribuído à equipe”, conta o eletricista.
O Sinergia considera que é humanamente impossível cobrar que os trabalhadores cumpram todos os procedimentos de segurança, e que também realizem o maior número de serviços em sua jornada de trabalho.
Descaso
Quase duas semanas após o acidente, a Energisa ainda não tinha feito contato com a família do Jean e muito menos com Lílio. “É triste, porque até o dia do acidente, às 7 horas da manhã, eles estavam ligando. Aí, de repente, da noite para o dia, eles simplesmente não entraram mais em contato. Falaram que é protocolo da empresa. Mas que protocolo é esse? Que o líder não dá apoio, não quer saber dele, não quer saber como ele está. Como é isso?”, diz, indignada, a esposa de Lílio, Dóris Lopes.
Por enquanto, o eletricista está afastado da empresa por conta de um atestado médico. “A gente tem que ver essa questão de gestão. Porque essa gestão que está aí, hoje, passa por cima de tudo e de todos. Eu perdi o amor e a vontade de trabalhar no ramo de energia elétrica. Não quero que meus colegas percam o amor pela profissão e, muito menos, a vida”, finaliza Lílio
Ministério Público do Trabalho
O Sinergia contratou um perito que está fazendo um levantamento do que aconteceu, a fim de produzir um laudo indicando as causas do acidente. O documento será anexado a mais uma denúncia que o sindicato vai registrar no Ministério Público do Trabalho.