Fabiola Binas e Maria Domingues
A falta de chuvas pode jogar um balde de água fria nos esforços do governo em baixar significativamente as conta de luz ainda este ano. Se por um lado, o Tesouro Nacional encontrou uma forma de garantir que as tarifas caíssem os 20% desejados, por outro, a queda constante do nível dos reservatórios hidrelétricos pode prolongar os gastos mensais de cerca de R$ 650 milhões com o acionamento de termelétricas, fatura que pode parar no bolso do consumidor final. O impacto seria próximo a 0,8% ao mês, segundo cálculos da Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), em estudo divulgado mês passado.
“É como se o desconto fosse dado com uma mão e tirado com outra”, metaforizou o professor da Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe), Heitor Scalambrini Costa, ao explicar que se as térmicas continuarem a ser despachadas, por conta da falta de chuvas, o reflexo natural seria um aumento nas tarifas. O especialista comentou que a situação pode ter sido provocada pela adoção de uma política energética que se preocupou “mais com a modicidade tarifária do que com a segurança”, conforme analisou ao Jornal da Energia.
Ainda que os níveis dos reservatórios hidrelétricos estejam, como os do Sudeste hoje (28.90%), piores que na transição de 2007/2008 (46,17%) e semelhantes aos do período pré-racionamento (28,90%), por volta de 2001, conforme comparou para a reportagem um agente do setor que pediu para não ser identificado, o professor não vê, a curto prazo, um problema maior para segurança, a ponto de provocar um colapso no sistema. O desaquecimento da economia também acaba contribuindo com o afastamento momentâneo da possibilidade de um racionamento de energia. “Mesmo com reservatórios em um nível de risco, apesar de muito caras, as térmicas podem ter a continuidade de seu acionamento”, disse.
Mas Scalambrini considera que a combinação entre a sorte de ter chovido consideravelmente nos últimos anos, aliada a um crescimento econômico abaixo do esperado ajudou para que não ocorresse o pior. Para o professo da UFPE, a supervalorização do crescimento projetado para o Produto Interno Bruto (PIB), ajudou a atenuar questões como a falta de planejamento dos investimento no sistema elétrico do país.
O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, tem uma visão parecida. “Poderíamos ter um racionamento não pela elevação do consumo, mas por ter ocorrido pouca chuva”, disse ao concordar que a acionamento de 11.000 MW de termelétricas (18% do que está sendo gerado), poderia prejudicar a questão da modicidade tarifária.
Pires insistiu que faltou uma melhor planejamento do sistema elétrico por parte do governo. “Não se vê um planejamento de longo prazo”, disse ao comentar que a conta disso “está indo para o bolso do consumidor brasileiro”, ao mencionar ser imprescindível afastar o trato político da questão para adoção de um plano energético mais diversificado. “Não se mistura política com estratégia”, disse se referindo a queda de braço que houve entre o governo federal e os estados ligados ao PSDB, na ocasião da renovação antecipada das concessões.
Os dois especialistas se colocaram de forma idêntica quando o assunto foi o planejamento. Tanto para Scalambrini, quanto para Pires, é necessário que outras fontes tenham participação maior na matriz, diminuindo a dependência só de hidrelétricas e térmicas, além da realização de leilões regionais por fonte. Os problemas com os sistemas de transmissão que têm prejudicado as eólicas também foram citados, bem como a falta de uma política mais agressiva para a implantação da solar e o avanço da biomassa.
Já para Ildo Sauer, ex-diretor da Petrobras e atualmente a frente do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, esta é a primeira vez desde 2001 que o Brasil está sob o risco iminente de um racionamento de energia. “Não dá para garantir que não vai ter racionamento e nem de que não vai ter. O risco é muito pequeno, mas o Governo Federal deveria ter a obrigação de afastar qualquer possibilidade”, disse.
Sauer afirma que não há previsão para que o acionamento das térmicas seja interrompido. “O operador manda queimar e nós, o povo brasileiro, pagamos a conta”, disse.
Bolsa
O preocupação com um eventual risco de racionamento de energia já paira sobre o mercado financeiro e impacta direto no desempenho das ações na BM&FBovespa. No fechamento do pregão desta segunda-feira (07/01), as ações PNB da Eletrobras (ELET6; -4,81%, R$10,68) tiveram o pior desempenho do Ibovespa, o principal índice da bolsa brasileira. Os papéis da Eletropaulo (ELPL4; -3,99%, R$15,39) apresentaram o terceiro pior desempenho do dia.
O Índice de Energia Elétrica (IEE), que mede o desempenho dos papéis do setor na BM&FBovespa, fechou o dia com queda de 2,49%, a 27.657 pontos.