21 de outubro de 2014 era para ser mais um dia de trabalho para o eletricista Reinaldo Garcia na Energisa/MS. Com uma rotina marcada por longas distâncias, típica de quem atende propriedades rurais nas cidades do interior, o trabalhador enfrentou um desafio comum no setor elétrico: houve um temporal e as chamadas triplicaram.
Às 19h, a equipe de plantão, formada por dois eletricistas, foi atender a uma solicitação na zona rural de Inocência. Ao iniciar a manutenção, Reinaldo sofreu um choque elétrico de 34.500 volts.
“Fiquei inconsciente nesse momento, só comecei a voltar quando já estava chegando na cidade, dentro da ambulância. Inclusive demorou um tempo para lembrar o que aconteceu nesse dia”, conta.
Ele precisou ser transferido para a Santa Casa de Campo Grande e ficou 22 dias internado. Teve o dedo da mão direita amputado, passou por sete cirurgias e perdeu o movimento do braço direito. Desde então, faz fisioterapia e não conseguiu voltar à profissão.
A história do Reinaldo nos remete ao dia 28 de abril, que é o Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho. Neste dia, em 1969, ocorreu um acidente em uma mina, nos EUA, que resultou na morte de 78 trabalhadores.
A partir desta data, surgiu o movimento “Abril Verde” que busca promover a conscientização sobre a segurança e a saúde no trabalho. Uma reflexão fundamental para os trabalhadores do setor elétrico que estão expostos a diversos riscos diariamente.
*As fotos do arquivo pessoal de Reinaldo foram tiradas em janeiro de 2012, quando a vestimenta antichama ainda não era obrigatória no setor elétrico.
Mais de 160 eletricitários foram vítimas de acidentes de trabalho em 2020
O Sinergia-MS apurou que foram registrados pelo menos 162 acidentes de trabalho com afastamentos de trabalhadores no setor elétrico em 2020, sendo 38 registros na Energisa/MS e 124 nas empresas contratadas.
Nos primeiros três meses de 2021, 17 acidentes de trabalho foram registrados, sendo 2 na concessionária de energia e 15 nas terceirizadas.
Mortes por acidentes de trabalho em MS
Em 2020, Mato Grosso do Sul registrou 46 mortes por acidentes de trabalho, aumento de 39% em relação a 2019, quando foram notificados 33 óbitos. Os dados são do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região, com base no CONCAT.
Em relação ao setor elétrico, as profissões de eletrotécnico e instalador de linhas de baixa e alta tensão (rede aérea e subterrânea) estão entre as principais funções com registro de acidente de trabalho com morte em 2020 no Estado.
Tabela TRT-MS
Uma das perdas mais recentes da categoria no Estado foi a morte do eletricista Wesley Tavares, no dia 19 de fevereiro de 2021. O trabalhador atuava na Energy, terceirizada da Energisa, e morreu após um acidente com o caminhão da empresa durante o plantão.
Para o sindicato, ainda que o acidente não tenha ocorrido durante a manutenção da rede elétrica, as condições de trabalho enfrentadas pelo eletricista podem ter sido um fator de risco que prejudicou a saúde e a segurança do trabalhador.
Fatores de risco
O diretor do Sinergia-MS, Francisco Ferreira, que é técnico de segurança do trabalho, afirma que a falha humana tem sido apontada como principal causa dos acidentes, contudo, há todo um contexto que contribui para a situação do chamado “ato inseguro”.
“O trabalhador é acusado de não cumprir uma regra ou pular uma etapa. Mas por que isso acontece? Porque houve uma pressão por produtividade, por agilidade, pela urgência da manutenção. E todo procedimento de segurança é demorado, são várias etapas porque a rede elétrica é muito perigosa”, explica.
Outra questão é o direito de recusa, previsto em normas regulamentadoras como a NR 10, mas que muitas vezes não é utilizado pelo eletricista por medo de retaliação ou questionamento por parte da empresa.
“Há casos em que o trabalhador identifica um possível risco, mas é questionado e obrigado a rever essa avaliação. Com o tempo, isso pode acarretar em uma omissão que vai colocar ele em risco. O acidente de trabalho não se caracteriza no momento exato da ocorrência, ele está relacionado a uma série de situações anteriores, pequenas falhas ou pequenos acidentes que foram ignorados pela empresa”, avalia Francisco.
O especialista em Elétrica, Eletromecânica e de Segurança no Trabalho, Gilson Santos, explica que o ambiente de trabalho deve favorecer a saúde e a segurança dos eletricistas. “Muitas vezes, um ambiente de competitividade não favorece a segurança. Os funcionários precisam estar unidos, falando a “mesma língua”, trabalhando em equipe, cuidando um do outro”, considera o especialista.
A ausência de trabalhadores experientes também pode ser um agravante. “O treinamento é importante, mas há condições que o profissional só encontra no dia a dia de trabalho. Quanto mais experiente, mais segurança. Se uma equipe tiver apenas eletricistas que acabaram de se formar, isso aumenta as chances de acidente”, alerta Gilson.
Conscientização
O comportamento e a conscientização do eletricista também são fundamentais para redução dos riscos de acidentes. “O funcionário tem que ter consciência que precisa colocar o capacete para salvar sua vida, e não para evitar uma punição. O uso de EPIs e o respeito às normas são para garantir a sua segurança, para te manter vivo, simplesmente isso”, ressalta o especialista Gilson Santos.
Realizar a análise preliminar de risco com consciência e atenção também é outra medida importante. “Sempre falamos nos treinamentos: analise o trabalho para não ter que analisar o acidente”.
Quem sobreviveu a um choque de 34.500 volts, sabe que nenhuma meta de trabalho é mais importante que a vida. O eletricista entrou na empresa quando era Enersul e o acidente ocorreu em 2014, sete meses após a gestão da Energisa.
“Eu sempre fui trabalhador e era bom no que fazia, mas se eu tivesse morrido? Você pode ser o melhor eletricista da empresa, mas se sofrer um acidente, não tem mais nada. A vida vale mais que qualquer outro mérito. Com fé em Deus, consegui me adaptar. Hoje é um milagre eu poder andar e estar com minha família”, conta Reinaldo, que atualmente é vereador na Câmara Municipal de Nioaque.
Por: Adriana Queiroz/Assessoria de Comunicação Sinergia-MS